sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Filosofia das rondas policiais



Pesquisador analisou rondas e blitzen da PM e viu que são considerados suspeitos jovens pobres, negros e com roupas folgadas

Para a polícia, um indivíduo suspeito é aquele que reúne as seguintes carcterísticas: pobre, jovem, afrodescendente, usa brincos ou tatuagens, roupas folgadas e boné. O retrato do suspeito está na dissertação A Lógica da Polícia Militar do Distrito Federal na Construção do Suspeito, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia pelo aluno Gilvan Gomes, policial militar desde 1999. A pesquisa foi feita a partir de observações das ações da Polícia Militar durante os anos de 2007 e 2008.

Grande parte da formação do policial vem das ruas, onde o agente mais velho ensina o mais novo. No jargão policial, um suspeito pode ser caracterizado pelo “kit peba” – roupas folgadas, do movimento hip hop, correntes e boné. “Eles vestem-se parecidos com pessoas do movimento hip hop e são considerados como possíveis descumpridores das regras, comportam-se fora do padrão”, aponta Gilvan.

Segundo o pesquisador, no cotidiano da PM os brancos não são percebidos como possíveis criminosos. “Nas blitzen, quando um negro está dirigindo um carro novo ele certamente é parado. Na verdade, o policial quer saber se o negro trabalha como motorista ou se o carro é roubado. Como se o negro não pudesse ser bem sucedido”, afirma o pesquisador.

Ele conta que com os brancos é diferente. Caso o documento do carro não corresponda com o do motorista, o policial geralmente intui que o carro pertence a um parente da pessoa. O suspeito é caracterizado também pelos movimentos corporais, se usa gírias em seu vocabulário ou se tem cicatrizes pelo corpo. Outro determinante é o local e o horário por onde a pessoa circula.

Na pesquisa, Gilvan observou abordagens feitas em blitzen de trânsito e em rondas na regiõe de Brazlândia. Nessa etapa da pesquisa, ele constatou que o suspeito também é definido pelo local e horário onde está. “Brasília foi projetada com um cinturão de higiene. As cidades fora do Plano Piloto foram afastadas porque seus moradores representavam risco à ordem”, afirma o pesquisador.

ESTATÍSTICAS – O tenente-coronel Eduardo de Lima e Silva, comandante do 1° Batalhão de Polícia Militar do DF, explica que, para um policial suspeitar de uma pessoa, ele precisa primeiro observar se há alguma incoerência no comportamento do indivíduo. “Este perfil de pobre, negro e jovem está nas estatísticas, mas nós não perseguimos essas pessoas”, avisa. “Há pouco prendemos numa blitz um menino branco, loiro, universitário, que dirigia com carrão e fazia tráfico de drogas”, conta.

O comandante afirma que sempre alerta seu batalhão para ter cuidado com esse tipo de construção de suspeito. Ele trabalhou em diversas regiões administrativas do DF e conta que nesses lugares a maioria dos jovens vestem roupas folgadas parecidas com os “pebas”. “Sempre digo aos policiais daqui: imaginem um rebanho de ovelhas, mas apenas algumas são lobos. A missão de vocês é descobrir quais não são ovelhas. E uma hora o cara que vai cometer o crime se destoa do resto”, explica. “Se dois garotos andando na rua percebem um policial e desviam de caminho bruscamente é um sinal de que alguma coisa está errada” exemplifica.

Gilvan argumenta que esse perfil de suspeito faz parte de uma construção social como mostra os dados do 190. A sociedade constrói os suspeitos e cobra as ações da polícia. “Não seria possível uma instituiçao ter determinados atos sem que haja uma legitimidade da sociedade em abordar determinados indivíduos e não outros”, disse. Para ele, a polícia é a instituição que mais instrumentaliza esta construçao social de suspeito.

O tenente-coronel concorda que a polícia é fruto da sociedade, mas defende que os policiais devem focar-se na linguagem corporal das pessoas. “Nós conseguimos identificar quem é morador, quem é trabalhador e quem está ali para roubar um carro ou assaltar. Nosso trabalho é construído também a partir de estudos”, conta.

Anália Batista, orientadora do estudo, afirma que a sociedade imagina um perfil semelhante ao construído pela polícia, pois consegue distinguir que certos indivíduos não pertencem ao bairro, por exemplo. Ela afirma que as suspeitas são fundadas em subjetividades e em preconceitos. “Se estamos parados num semáforo e vemos alguém estranho fechamos a janela do carro ou ficamos apreensivos”, exemplifica.

OCORRÊNCIAS – A categoria “pessoa suspeita” é o segundo maior registro das solicitações atendidas pela PM entre os anos de 2005 e 2007. Cerca de 8% das chamadas recebidas pelo número 190 são de pessoas que solicitam uma viatura por ter alguém suspeito embaixo do prédio ou pela redondeza. O maior índice (35%) está relacionado a brigas de rua (veja o quadro abaixo).

Em algumas categorias, como disparo de arma de fogo, que representa quase 3% das chamadas, quando o policial chega ao local não aconteceu nada. “Muitas pessoas fazem isso porque suspeitam de alguém e acham que a viatura chegará mais rápido dizendo que houve tiroteio na rua. Muitas vezes quando a gente aborda a pessoa ela não tem arma e nem droga”, conta Gilvan. “A saída é explicar para o ‘suspeito’ por que está sendo abordado. Muitos respondem: ‘já sei, é porque eu sou negro!’”.

OUTROS SUSPEITOS – O preconceito vai além do perfil descrito. O manual do policial do curso de 2003 orienta que são suspeitos os homossexuais ou as lésbicas se estiverem parados próximos a uma escola. Segundo Gilvan, quanto mais o indivíduo se afasta da identidade militar, mais se torna suspeito. Ele sugere que a polícia passe a dar atenção igual aos outros perfis menos prováveis de cometer crimes.

O pesquisador conta que resolveu parar um casal de idosos num fusca para avisar que a pista não estava em boas condições. Mais adiante, o casal foi parado novamente. O senhor, impaciente, interrogou o policial para saber por que foi abordado mais uma vez. “A forma como ele falou gerou uma suspeita. O que irritou tanto ele? Pedi para que saísse do carro e embaixo do banco encontrei um revolver”, relata. “A sociedade jamais suspeitaria deles, porque aparentemente não representam risco”.

As estatísticas do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Ministério da Justiça (MJ) revelam que, em junho de 2010, o sistema penitenciário do DF abrigava 8.574 presos. Desses, 8.099 são homens e 475 mulheres. Os homens pardos e negros representam 5.886 e as mulheres 375. Os homens brancos, amarelos e de outras raças somam 2.242 e as mulheres 100. As idades também comprovam o que a pesquisa concluiu. Homens entre 18 e 34 anos são a maioria: 6.542. A partir de 35 anos são 1.512 presos. As mulheres mais jovens também são maioria: 339. Apenas 136 mulheres acima de 35 anos estão presas.

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Fonte: Secretaria de Comunicação da UnB

Publicado em quinta-feira, dezembro 9th, 2010 - 6:59 e classificado em + NOTÍCIAS, DIREITOS HUMANOS, Denúncias, Discriminação, Preconceito. Você pode acompanhar os comentários sobre esta publicação agregando este RSS 2.0 feed.

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